Vamos dançar enquanto Deus mantém os holofotes ligados

Ana Paula Nunes
3 min readFeb 17, 2020

Luz.

O palco.

Som. Você precisará da música para continuar lendo essa dança.

Já ligou o som? É sério.

Você levará 3 minutos e 46 segundos para esse show de uma vida inteira até aqui.

E ninguém está filmando.

Ação:

A dançarina entra. A dança dela é cheia de tropeços. Os primeiros passos são os mais difíceis e pesados, os músculos ainda precisam se fortalecer. E todo o cenário é tão bonito. Existem mais 2 dançarinos com ela, uma mulher e um homem, eles estão ensinando os passos.

Plié. Ela recebe sua primeira sapatilha e percebe que fica muito mais fácil deslizar e se firmar agora. Seus braços acompanham cada passo facilitando o equilíbrio e a beleza.

O cenário no fundo do palco muda o tempo todo. A bailarina cai à cada mudança, parece tonta com os giros constantes de cenários e cores. Ela tenta segurar os cenários para não se moverem, mas eles vão embora.

Segura na barra, levanta e continua fazendo elevações. Está melhorando. Ela já quer voar para alcançar os pássaros, mas seus jetés ainda são pequenos.

A troca pela sapatilha de ponta está cheia de dores. Ela coloca e tira, querendo voltar para quando não precisava delas, mas não pode mais. Aos poucos os pés sangrando não incomodavam tanto e a ponta se transforma num enorme auxílio para piruetas e saltos.

E girar é bom. Ela não para mais. Até o cenário giratório não a derruba mais, quando ela percebe a alteração ela aproveita para girar junto en dedans e usar cabos para voar pelo palco com novas cores.

Alguém entra no palco para um pas-de-deux. A dança, cheia de manobras, a faz voar sem precisar dos cabos, mas com força. É uma bela dança até os descompassos fazerem sua sapatilha de ponta despedaçar em seus pés e ele se retirar.

A dançarina tenta voltar a dançar sem sapatilhas, precisa recomeçar. Volta para a barra e tenta entender seus pés de novo. Plié, releve, volte. Ela explora todo o palco treinando seu equilíbrio e suavidade com sequencias de adagio. Dança ansiando pelas mudanças dos cenários. Já percebeu que os dançarinos entram e saem, os cenários não ficam e só o que não muda é a base em que seus pés deslizam e saltam e as barras que ela pode se agarrar com firmeza delicada quantas vezes precisar.

Numa dança descalça cheia de misturas com contemporâneos e clássicos, ela está feliz e voando, aproveitando a beleza dos cenários e evoluindo na dança com todos que entram e saem de seu palco.

Ela olha para a plateia, onde você está.

Três piruetas.

Olha de novo.

Não vê um público sentado, nem mesmo existem cadeiras. O que ela vê são incontáveis palcos diversos. E ela olha para seu palco bem dentro dos seus olhos e observa que você está dançando também. No meio de um Jeté ela enxerga alguns palcos da plateia sumindo, alguns em chamas e outros em nuvens.

Seus palcos se aproximam,

Vamos dançar?

.

Eu constantemente me sinto num palco com cenário giratório dançando muitos ritmos, criando muitos passos, caindo em muitos tropeços, saltando com leveza de um voo, perdendo as forças das pernas, recomeçando muitas vezes enquanto Deus mantém os holofotes ligados em mim.

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Ana Paula Nunes

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